sexta-feira, 4 de maio de 2012

"Pedaços daquilo que sabia ser o dia entre aquilo que me parecia ser a noite. Pedaços do quarto sozinho, com a luz única da janela fechada, entre um sítio escuro onde tudo acontecia sem esforço. Eu acordava e voltava a adormecer. Eu acordava e sabia que o dia existia depois do quarto sozinho e fechado, depois da penumbra. Eu voltava a adormecer e era inundado pelo mundo do sono. Quando acordava, tentava agarrar-me a esses instantes enquanto tentava que qualquer movimento me despertasse completamente, mas voltava a adormecer, e nao sei quanto tempo passava até voltar a acordar, e o quarto, e o dia, e passava um momento, e voltava a adormecer. Depois, houve uma vez em que acordei e, sem explicação, estava completamente desperto. Não voltei a fechar os olhos. Esfreguei os olhos com as mãos fechadas. Nao pensei nas vezes em que tinha acordado e adormecido. Acordei. Deixei para trás o mundo do sono. E levantei-me. Abri as portas da janela e encadeei-me com a luz. Era uma das horas da tarde próximas do fim da tarde. Aos poucos, ao acordar, reconstruía-me. A memória regressava e as ideias nasciam da memória."

in Uma Casa na Escuridão, José Luís Peixoto


Mais uma vez sou surpreendida com um jogo brilhante de palavras enquanto leio e saboreio mais um livro de José Luís Peixoto. É tão real a forma como ele descreve o momento de acordar que me consigo sentir na pele da personagem e sentir aquele acordar calmo, sereno, em que a memória regressa e todo o mundo, que para mim parou durante o sono, volta a fazer sentido. Em que volto ao real e sinto o "peso" de tudo aquilo que me acompanha diariamente. Porque no sono há o sonho e esse é rival da realidade. Quase nunca jogam no mesmo campeonato e aquilo que mais desejamos muitas vezes acontece só nos sonhos... Mas é assim a vida e é com o real que temos de nos preocupar...
Neste momento só consigo pensar que construí castelos no ar em relação a ti, em relação a ti e a mim. Depois de tanto tempo de situações "estranhas", bocas, comentários, toques e olhares achei por bem (apesar de quase obrigada!) deixar-te a dica... E entretanto nada de resposta, nada de feedback, nada de nada. Sinceramente prefiro um não a um nada! E só me desmoralizo e penso quão parva tenho sido nos últimos tempos em relação a nós. E só tenho uma questão a pairar no pensamento: terá sido tudo um filme da minha cabeça?